Trata-se de Habeas Corpus no qual se aponta como autoridade coatora o Presidente da República, cujo objetivo é reverter a situação de atual impossibilidade de A. E. E. ingressar em território nacional, decorrente de Decreto de Expulsão do território brasileiro publicado no DOU de 21 de outubro de 1982. Consta da petição inicial que a paciente, cidadã argentina, foi processada perante o Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Foz do Iguaçu/PR (Ação Penal 092/1982) e condenada ao cumprimento de pena de 6 (seis) meses de reclusão, pela prática do crime então previsto no artigo 16 da Lei 6.368/1976 (“Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”). Ademais, em 19 de outubro de 1982, foi decretada a expulsão da paciente, ato formalizado no Decreto 20.335/1982 – Ministério da Justiça. Nesta ação, a Defesa alega que: (a) desde 2007, a paciente aguarda o exame do pedido de revogação do Decreto de Expulsão, dirigido inicialmente ao Ministro da Justiça e, em 2011, ao Presidente da República, sem qualquer resposta; (b) “[n]egar a concessão do presente writ representa transformar a punição imposta em perpétua e imprescritível, o que não coaduna com as regras atinentes ao ordenamento pátrio ” (Doc. 1 – fl. 5); (c) “não se justifica que uma cidadã argentina, país integrante do Mercosul, seja impedida de ingressar e transitar em território nacional após 35 anos do decreto expulsório, em face do delito de uso de droga” (Doc. 1 – fl. 8); (d) “a Paciente não pede residência, trabalho ou permanência no Brasil, mas tão somente seja-lhe concedido o direito de ingressar e transitar, visitar familiares e amigos, retornando, assim, a seu país de origem” (Doc. 1 – fl. 9). Requer, assim, a concessão da ordem, para que seja revogado o decreto, “com a consequente autorização de ingresso e permanência da mesma em território nacional, determinando ainda a baixa eventuais anotações em seu nome junto ao Departamento de Polícia Federal” (Doc. 1 – fl. 10). As informações solicitadas foram prestadas (Doc. 7). A Procuradoria-Geral da República manifesta-se pela denegação da ordem, em parecer assim sumariado (Doc. 10): HABEAS CORPUS. ESTRANGEIRA. EXPULSÃO. PLEITO DE REVOGAÇÃO DO DECRETO DE EXPULSÃO. INADMISSIBILIDADE. PARECER PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. Por meio da Petição 73.376/2018, a defesa apresenta os esclarecimentos seguintes (Doc. 11 – destaques no original): (a) a nova Lei de Migração é expressa em dizer que a expulsão não será ad aeternum mas sim, por prazo determinado; (b) De acordo com a citada Lei, o prazo máximo que poderia perdurar o impedimento de reingresso no Brasil seria de 1(um) ano, porém há mais de 11 (onze) anos vem a defesa da paciente requerendo a revogação do decreto de expulsão sem, no entanto, obter qualquer resposta, conforme documentos já anexos aos presentes autos; e (c) somente os crimes de genocídio, crimes contra humanidade, crimes de guerra ou de agressão, bem como os crimes dolosos passíveis de pena privativa de liberdade é que poderão dar causa a expulsão. A paciente embora tenha sido denunciada por tráfico de drogas, foi condenada por porte ilegal de drogas para consumo pessoal, infração penal que, com a entrada em vigor da Lei 11.343/06, não é punida com pena privativa de liberdade e sim com medidas de tratamento. É o relatório. Decido. A expulsão é uma medida tomada pelo Estado que consiste em retirar forçadamente de seu território um estrangeiro que nele entrou ou permanece irregularmente ou, ainda, que praticou atentados à ordem jurídica do país em que se encontra; cabendo, em regra, exclusivamente ao Presidente da República, ou à autoridade por ele delegada (art. 54, § 2º, da Lei 13.445/2017), resolver sobre a conveniência e a oportunidade da expulsão ou de sua revogação, nas hipóteses previstas na legislação. A expulsão, portanto, mesmo tendo caráter discricionário quanto ao mérito, está vinculada ao império constitucional e legal, pois, como muito bem ressaltado por JACQUES CHEVALLIER, “o objetivo do Estado de Direito é limitar o poder do Estado pelo Direito” (L’Etat de droit. Paris: Montchrestien, 1992. p. 12); exigindo-se a vinculação das autoridades à LEI (KARL LARENZ. Derecho justo: fundamentos de ética jurídica. Tradução de Luis Díez-Picazo. Madri: Civitas, 1985. p. 154 ss) Na presente hipótese, há flagrante ilegalidade e desrespeito ao direito individual consagrado no artigo 5º, inciso XV da Constituição Federal. O decreto expulsório foi motivado pela condenação da paciente ao cumprimento de pena de 6 (seis) meses de reclusão, pela prática do crime então previsto no artigo 16 da Lei 6.368/1976 (“Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”); nos termos dos artigos 65 e seguintes da Lei 6.815/80 (Estatuto dos Estrangeiros), então em vigor. Ocorre, porém, que, posteriormente, a Lei 11.343/2006 revogou a Lei 6.368/76, tendo substituído seu artigo 16 pelo artigo 28 com a seguinte redação: Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. § 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. § 3ºAs penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses. § 4º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses. § 5º A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas. § 6º Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a: I – admoestação verbal; II – multa. § 7º O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado Atualmente, portanto, não é possível a aplicação de pena privativa de liberdade ao crime pelo qual a paciente foi condenada, bem como, nos termos do artigo 54, §1º, inciso II da Lei de Migração, que substituiu o anterior Estatuto do Estrangeiro, não seria mais juridicamente possível sua expulsão, uma vez que, desde a referida Lei 11.343/2006, inaplicável pena privativa de liberdade à hipótese em questão. Em que pese a expulsão não ter natureza eminentemente penal, na presente hipótese o decreto expulsório foi decorrência direta de sentença penal condenatória transitada em julgado por crime então tipificado com pena privativa de liberdade, o que, atualmente, não mais ocorre. Desta forma, inclusive para efeitos de expulsão, deve ser aplicado o princípio da retroatividade da lei penal benéfica, que a partir da nova tipificação pelo artigo 28 da Lei nº 11.343/2006, não permite a aplicação de pena privativa de liberdade nas hipóteses de apreensão de substâncias entorpecentes para uso próprio; e, consequentemente, não permitindo a expulsão do condenado por esse delito. Nos termos do inciso XL do artigo 5º (“a lei não retroagirá, salvo para beneficiar o réu), o texto constitucional consagra dois princípios que regem eventuais conflitos de leis penais no tempo: irretroatividade da lei mais severa (lex gravior) e retroatividade da lei mais benigna (lex mitior). A regra geral em matéria de direito penal é a irretroatividade da lei penal, sem a qual, como salienta DAMÁSIO E. DE JESUS, “não haveria segurança nem liberdade na sociedade, uma vez que se poderia punir fatos lícitos após sua realização, com a abolição do postulado consagrado no art. 1º do CP’’ (Direito penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. v. 1, p. 62). Porém, admite-se constitucionalmente, sempre a favor do agente da prática do fato delituoso, a retroatividade da lei penal mais benigna, inclusive em relação à eficácia da coisa julgada e de seus efeitos secundários, como na presente hipótese, a expulsão. Diante do exposto, DEFIRO a ordem de HABEAS CORPUS, para tornar sem efeito o decreto de expulsão e todas as suas consequências, em especial para afastar o impedimento de ingresso da paciente e livre locomoção em território nacional, nos termos garantidos pelo artigo 5º, inciso XV da Constituição Federal. Dê-se imediata ciência desta decisão ao Ministro de Estado da Justiça.

(STF.HC136.595. RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES. PACTE. :A. E. E.IMPTE.:LADISAEL BERNARDO E OUTRO(A/S).COATOR:PRESIDENTE DA REPÚBLICA)